O Estatuto da Metrópole e a Autoridade Metropolitana

Tempestade provoca caos em São Paulo - PCdoB

 

O Estatuto da Metrópole, objeto da Lei federal nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015, alterou o diploma anterior (LF nº 10.257, de 10 de julho de 2001 – Estatuto das Cidades), definindo que os Estados, mediante lei complementar “…poderão instituir regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, constituídas por agrupamento de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”.  

Esse enunciado, que repercute o estatuído no artigo 25, § 3º, da Constituição Federal, justifica a organização de uma Autoridade Pública Metropolitana, assemelhada a uma Authority como coordenadora das ações de planejamento e de execução das entidades responsáveis pelo desenvolvimento urbano e pela mobilidade urbana, assim como pelas ações de segurança urbana e de defesa civil e assistência social que normalmente interagem no enfrentamento às consequências deixadas nesses mesmos aglomerados urbanos por eventos climáticos e de natureza calamitosa que sobrevêm a um ou mais dos seus entes municipais. 

Assim, os desastres naturais e as ocorrências urbanas cuja magnitude interferem no cotidiano dos aglomerados urbanos estariam sob a coordenação e o controle de uma Autoridade Pública que assumiria o encargo de desenvolver planos comuns e coordenar a execução das ações entre os municípios envolvidos no enfrentamento das consequências desses eventos que se projetam sobre um ou mais dos seus integrantes. 

A estruturação da Autoridade Pública Metropolitana passaria pelas casas legislativas dos municípios que a integram na forma da Lei federal nº 11.107/2005 e do decreto executivo nª 6.017/2007, sendo constituída sob a forma de uma associação pública de municípios, com a finalidade de prover bens e serviços públicos de drenagem urbana, de mobilidade urbana e de readequação viária e monitoramento de condições climáticas e de desastres naturais na macrorregião abrangida pela Cidade de São Paulo e nos demais municípios a ela conurbados. 

Algumas megacidades, assim consideradas aquelas que constituem um aglomerado urbano com mais de 10 milhões de habitantes, como Nova Iorque, Londres, Paris, Tóquio e São Paulo, também são consideradas cidades globais pelo Globalization and World Cities Study Group & Network (GaWC), por se interligarem fortemente a outros centros de influência econômica mundial. 

As megacidades atuais englobam mais de um décimo da população urbana mundial e elas, tal como todas as grandes metrópoles que antes surgiram, polarizam sobremaneira as relações comerciais supranacionais, assim como a cultura, o conhecimento adquirido, e possuem altos índices de industrialização. 

As megacidades, entretanto, devem possuir e incorporar o conceito da resiliência como sendo determinante em seus atos cotidianos: ou seja, além do transporte e do trânsito, devem ser alvo da preocupação de seus administradores a drenagem urbana, a conservação e o aprimoramento geométrico das vias urbanas e das calçadas que as envolvem, bem como o monitoramento das encostas e leitos de rios e córregos, prevendo-se a inclusão de artérias perimetrais destinadas a serviços emergenciais de fluidez assistida aos hospitais e para o acesso dos veículos de salvatagem, socorro e remoção de entes vulneráveis, o deslocamento de equipes para controle durante a evasão de populações ameaçadas pelo risco de desastres naturais ou aleatórios e a sua realocação em unidades de curta permanência, coletivas, dotadas de infraestrutura autônoma em prover serviços humanitários e víveres essenciais. 

Ao considerarmos que a Cidade de São Paulo é a mais populosa cidade entre os vários aglomerados urbanos que integram a Região Metropolitana (RMSP), composta por 39 municípios, sem esforço podemos compreender a importância que representa a constituição de um ente público com esta amplitude político-administrativa. 

Há que se empreender a constituição da Authority em lapso de tempo o mais breve possível. Há que priorizar, no entanto, não a discussão do como fazer; mas, sim, o ‘como executar’, em ritmo expedito diante das carências que a população enfrenta em ambientes que beiram a saturação, exposta a eventos que não se podem antecipar e que ocorrem de forma episódica; mas, ocorrem! 

Basta recordar o ocorrido quando da interdição viária parcial para reparos emergenciais da Ponte dos Remédios, sobre o Rio e a Via Marginal do Rio Tietê, e os efeitos que se abateram sobre a vida da Cidade, dada a importância do viário interditado e sua proximidade com o CEAGESP; ou quando do solapamento de uma galeria de águas pluviais com mais de 50 anos de construção, que é a idade média das galerias da Cidade nos bairros mais antigos, junto às obras da linha do Metrô, em Indianópolis; ou quando da ocorrência da interrupção do trafego da Via Marginal Pinheiros na antevéspera de um período de carnaval quando duas carretas se envolveram em um grave acidente após a curva da Usina da Traição, no sentido de Interlagos, e provocaram vinte horas seguidas de agudo congestionamento! 

Mesmo uma megacidade pode sucumbir aos efeitos de uma chuva prolongada a exemplo daquela que ocorreu ao final da década de vinte, no século passado, e cujaa reincidência de cem anos tende a tornar-se realidade, porquanto naquela época a Cidade experimentara uma estiagem prolongada que se estendeu no período de 1924 a 1925, e no ano de 1929 recebeu chuvas por longos e sucessivos períodos, sendo que em um único dia houve a precipitação pluviométrica sobre o solo já encharcado de toda a chuva que se esperava para todo o mês. 

Hoje, a megacidade estaria preparada para enfrentar uma situação de tal gravidade? Os recursos materiais e humanos, as instituições e as alçadas públicas poderiam rapidamente e de maneira coordenada mobilizar os melhores esforços para debelar catástrofes e mitigar danos ao meio ambiente? E a resiliência das ações encetadas poderia resultar exitosa? 

Nos dias de hoje, mesmo em um período de previsível precipitação, a vida da Cidade fica alterada e se gastam horas preciosas em virtude de alagamentos ou mesmo extravasamentos de córregos cujas bacias hidrográficas se localizam em mais de um município, ocasionando um leque de transtornos que comprometem o viário e a circulação de bens e de pessoas, como o cotidiano registra com frequência assim como acidentes viários que comprometem a chegada ou saída das várias rodovias que cercam ou perpassam a Cidade, causando congestionamentos até mesmo nas cidades servidas por elas.  

Quanto tempo deve levar a Cidade para restabelecer suas atividades cotidianas, qual a medida de sua resiliência? 

Por outro lado, há que se indagar, qual o montante de recursos que seria requerido para a instalação e a operação da Autoridade Pública com encargos tão estratégicos e tão necessários à consecução de seus objetivos? Afinal, a Autoridade Pública necessitaria mobilizar os fundos para que os projetos que fossem estruturados com a visão e o escopo de atender e abranger a demanda não apenas de um, mas, sim, vários entes municipais. 

Somente a Cidade de São Paulo recebeu, durante o ano de 2022, a título de Cota-Parte do IPVA relativa à metade do imposto pago referente aos veículos licenciados em seu território, o montante de R$ 3,487 bilhões. Descontados os 20% que a legislação ordinária destina ao FUNDEB, a Cidade registrou o ingresso de R$ 2,733 bilhões no Tesouro Municipal naquele exercício. 

De fato, o valor de R$ 2,733 bilhões é de expressiva monta e corresponde àmetade da quantia que a frota cadastrada na Cidade nos registros da Secretaria Estadual da Fazenda do Estado de São Paulo produziu de arrecadação desse imposto no mesmo período. 

O seja, somente 50% do que foi arrecadado ficou na Cidade; pois, o Tesouro Estadual, arrecada o total e repassa somente a metade que cabe aos 645 municípios do Estado. Ou seja, em 2022, a parcela que o Estado arrecadou relativamente à frota cadastrada na Cidade, no caso em comento, alcançou a importância de aproximados R$ 7,0 bilhões a título de IPVA. 

Levando em conta a máxima que ensina que onde todos pagam, todos pagam menos; e para que não se percam recursos hoje tão escassos, a mesma importância poderia ser preservada nos dois Erários – bastando que se equalizasse as alíquotas e que todos pagassem, eliminando-se quaisquer privilégios ou isenções. O que seria, no mínimo, republicano. 

De fato, pela legislação do IPVA nem todos os veículos pagam o imposto: há imunidades, há isenções, e há dispensas para grupos específicos de proprietários de veículos. Assim, aqueles veículos que pagam o tributo, na prática, pagam mais do que deveriam, porquanto há que se ‘compensar’ os que não pagam, resultando que a alíquota básica de 4% seja mais elevada do que poderia ser de fato, se todos pagassem uma alíquota, digamos, razoável.  

Assim, os veículos que pagam a alíquota atual poderiam ter suas contribuições  de fato reduzidas, caso os táxis, as vans e os ônibus destinados ao transporte público e ao fretamento contínuo pagassem uma alíquota mínima, assim como os veículos das embaixadas e os destinados ao corpo consular, os veículos de propriedade de igrejas e templos, assim como os veículos possuídos por partidos e agremiações/fundações políticas e os utilizados por deficientes físicos habilitados que gozam de redução do valor do bem que utilizam e mesmo os veículos com mais de 20 anos de fabricação, que passariam a pagar 0,5% de IPVA

Como não possuímos a base estatística dos dados para interpolar com melhor acuidade os percentuais mais adequados, a expectativa é que uma redução para 0,5% para todas as faixas do imposto (ou seja, eliminando-se as imunidades, as isenções e as dispensas) com alíquotas menores, favoreceria também a queda da inadimplência que se projeta nas faixas de alíquotas que hoje “compensam” gratuidades onde muitos pagam por poucos! 

Ao final, estimamos que a constituição da Autoridade Pública Metropolitana poderia contar com pelo menos 20% do montante hoje arrecadado, tanto pela Cidade como pelas parcelas dos municípios conurbados a ela, destinados a compor o investimento anual da Autoridade Pública Metropolitana para financiar os projetos e as decorrentes intervenções que a Authority elegeria, aportes que seriam paritariamente integralizados pelo Estado de São Paulo. 

Os aportes integralizados anualmente no capital da Autoridade Pública Metropolitana (a Authority) seriam vinculados em favor da mobilidade e da drenagem urbana e das ações de sua mitigação, que deverão constar de seus Planos Diretores municipais para garantir a qualidade de vida e a existência das pessoas no tecido urbano da Cidade e dos municípios a ela conurbados.

(Escrito em 11 de abril de 2023)